Seca agrava situação em Euclides da Cunha e região
Por José Dílson - euclidesdacunha.com
Imagens: José Dílson | Edição: Jaciel Correia
As pancadas de chuva de trovoada que caíram esporadicamente nos meses de outubro e novembro em algumas regiões de Euclides da Cunha e em outros municípios da região, não foram suficientes para resolver o problema de alimentação para os animais.
Nas localidades onde as chuvas foram mais intensas, com o enchimento de tanques, aguadas e até barragens de médio porte, os criadores sentiram um pouco de alívio; porém, como não houve sequência nas pancadas de chuva o crescimento de ervas conhecidas como forrageiras, especialmente a jitirana, que despontam rapidamente logo após as primeiras chuvas e provocam a revitalização dos pastos, em quase nada melhorou a situação do homem do campo.
Lendo, mais uma vez, o relatório do engenheiro Manoel Bonfim Ribeiro, um profissional com vasta experiência adquirida nos mais de 30 anos à frente do DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas), e atuação em várias regiões do Estado da Bahia, nota-se, claramente, que o relato torna-se real a cada dia que passa. Aliás, este documento está disponibilizado na internet, por meio do Google. É só acessar: Manoel Bonfim Ribeiro - Seca no Nordeste.
Com o foco especialmente em Euclides da Cunha e alguns municípios circunvizinhos que vivem a mesma situação, pode-se dizer categoricamente que, enquanto não chover fortemente, ou se chover mesmo que sejam pancadas de chuva mais finas, estas, devem ser continuadas; pois o prejuízo com o agronegócio poderá agravar ainda mais o quadro atual da economia dos municípios penalizados pelo sol causticante que acaba com as pastagens, seca rios e riachos, aguadas, cacimbas, açudes, etc.
As chuvas que caíram, com maior intensidade no mês de outubro, só contribuíram para manter o ciclo da caatinga que, nesse período de primavera/verão provoca a floração, enverdecem umbuzeiros, cajueiros, cajaranas preparando-os para a frutificação; além de outras frutíferas cítricas típicas da estação, que não resolve em nada, ou quase nada, a fome que atormenta os animais e angustia criadores.
O número de propriedades rurais que acumularam um bom volume de água em seus reservatórios foi muito pequeno. Até mesmo aquelas cujo pasto rebrotou.
Sem a sequência das chuvas, o pouco de massa verde já se transformou em bagaço e não tem mais a mesma reserva de fibras, proteínas e sais minerais, o que é muito ruim para os animais.
Nas áreas de raso (solo com características de deserto com predominância do bioma caatinga), em um ou outro lugar, palmas, cactos, mandacarus, sucupiras e mulungus alegram um pouco a paisagem; pois, florescem e até frutificam lindamente, como mostram as fotografias que ilustram esta reportagem.
Mas, tudo não passa de ilusão, ou a natureza tenta provocar uma situação de ilusão ótica, dando-lhes beleza e cores, como forma de se vingar daqueles que insistem em desrespeitar as leis, normas e regras de preservação ambiental.
Por esse imenso sertão, muitas árvores e arbustos já não são mais vistos, a exemplo do angico, - que tem a pele (casca) arrancada cruelmente do tronco, deixando-o à mostra e exposto à doenças, em sua parte mais sensível, completamente devastado pelo homem, para servir aos curtumes, grandes e pequenos, que a utiliza na preparação e transformação do couro em sola.
Andando pelo interior do município, nos deparamos com um caminhão que transportava unidades de reservatório de água para comunidades carentes do meio rural, por meio de programas sociais do governo de combate a seca.
Sabe-se, que esses reservatórios de água têm capacidade para acumular cerca de cinco mil litros, que são abastecidos quando das estações chuvosas com o aproveitamento da água que escorre pelo telhado das casas.
Cinco mil litros tornam-se muito pouco para abastecer uma casa com várias pessoas, além de matar a sede de animais (cabras, ovelhas, porcos, aves e, eventualmente, até algumas cabeças de gado, jumento, cavalo, entre outros), criadas por essas famílias em pequenas propriedades, no seu cotidiano.
A maioria dos carros pipa tem capacidade apenas, para oito mil litros e, certamente, não atenderá plenamente às necessidades de todos; pois, alguma família de determinada região vai ficar com o seu reservatório incompleto ou pela metade. Principalmente, aqueles que estão localizados a muitos kilômetros de distância da base de abastecimento desses caminhões.
Parece-nos, que a indústria da seca continua firme e forte, mesmo com algumas mudanças em sua logística e metodologia aplicadas pelos velhos e manhosos coroneis da política, apesar de fiscalizada pelo Exército Brasileiro. Esses políticos arranjam sempre um “jeitinho” de burlar o que é justo e correto e, assim, manter o cabresto sobre eleitores ignorantes.
Não seria mais eficiente e econômico para o País, construir barragens, açudes comunitários e pequenas adutoras que levassem água, mesmo que tratada; porém, subsidiada para essas famílias pobres, criadores e produtores rurais e que cada um pagasse a sua conta com a devida carência e de acordo com o consumo e classificação social em que se enquadram? Ou incentivo social que proporciona geração de emprego e renda na localidade?
Por qual motivo os governos e municípios não se preocupam em preservar as fontes públicas de abastecimento de água de sua propriedade e/ou sob sua responsabilidade? Olhem elas ai, agora, fazendo muita falta; pois, estão vazias, mal conservadas, depredadas, entupidas... Não está pior?
Em Euclides da Cunha, os açudes do Tanque da Nação, Pedregulho, Lagoa do Barro (Coentros), Pinhões, Melancia, entre outros, objetos de reportagens feitas pelo site euclidesdacunha.com, que alertava para o descaso dessas fontes de abastecimento de água, nunca foram levados em conta pelas autoridades responsáveis.
Os apelos feitos para recuperação desses reservatórios do precioso líquido, jamais foram levadas a sério. Nunca se preocuparam se quer, em providenciar um relatório elaborado por um técnico em açudagem para adoção de medidas cabíveis. Pelo menos, limpá-los removendo a lama acumulada no fundo de sua bacia.
Estes, que nos momentos mais difíceis, em uma época não muito distante, serviram até como fonte de abastecimento para comunidades de outros municípios, que faziam uso de água potável acumulada pela chuva.
No momento, caminhões pipa de municípios circunvizinhos estão pegando água potável em alguns poços artesianos de Euclides da Cunha e levando para suas comunidades. Mas, será que com a falta de chuva esses poços não correm o risco de secarem ou ficarem com o nível de água bem abaixo da capacidade de sucção da bomba? A situação é gravíssima e passível de acontecer.
Agora, choca e causa revolta ver açudes como o do Pedregulho que atende uma vasta comunidade e o Tanque da Nação, que faz parte do contexto histórico como patrimônio público material do município, que precisa ser preservado, em completo abandono.
Para quem não conhece sua história, o açude Tanque da Nação teve a sua construção autorizada pelo Imperador D. Pedro II, para combater a seca, especificamente, em Euclides da Cunha. Há quem diga que foi até uma atitude do imperador como forma de agradecimento aos voluntários que se alistaram para a Guerra do Paraguay, porém, não chegaram a ser convocados.
O seu espelho d’água e profundidade acumulava centenas de metros cúbicos de litros e, por muitos anos, foi uma fonte inesgotável de piscicultura, com peixes das mais diversas espécies: traíra, tilápia, carpa, pescada, tambaqui, lambari (piaba), que serviam de alimentos para muitas famílias e como meio de sustentação econômica para aqueles que buscavam na pesca o meio de vida.
A sua área era totalmente cercada com arame farpado e vigiado 24 horas/dia. O calendário de pesca (defeso) era respeitado para evitar o desaparecimento da fauna aquática e os criadores de animais não ficavam privados de dar água aos seus bichos, bem assim os caminhões pipa que abasteciam localidades menos favorecidas com o precioso líquido.
Dos açudes Pedregulho e Lagoa do Barro, que estão entre os mais próximos da cidade, podem-se, dizer o mesmo: foram vitais para o município, enquanto preservados.
A fotografia mais recente do Tanque da Nação, feita em 28 de dezembro de 2012, revela o estado estarrecedor de abandono de um açude público que, seria essencial, nesse momento em que o sertanejo padece com a terrível seca que assola a região.
Em seu leito, apenas, pequenos espelhos d’água contaminados pelo óleo de caminhões que costumavam pegar água no local, garrafas pet e sacolas plásticas. Com o solo ainda úmido e fresco, animais aproveitam para descansar no lugar onde deveria estar limpo e cheio de água de boa qualidade para servir o povo.
O açude do Pedregulho, não faz muito tempo, teve uma reportagem publicada pelo site euclidesdacunha.com, que causou revolta nas pessoas de bom senso, que denunciava o descaso e o provável envenenamento do pouco de água que ainda restava, onde peixes morriam por falta de oxigenação.
Segundo um biólogo consultado por este repórter, - que também viu a matéria e foi até o local, a adulteração na cor da água (alaranjada) e a formação de grossas placas de espuma são sinais característicos de envenenamento, já que partes do leito seco do açude havia sido ocupado por plantadores de hortigranjeiros que, sem orientação de um técnico agrícola, faziam uso indiscriminado de herbicidas sintéticos e fertilizantes orgânicos (estrume) em seus canteiros que, no período das chuvas eram transportados pela enxurrada para o leito do açude.
Pedregulho, assim como o Tanque da Nação foi, por várias décadas, grande fornecedor de proteínas de origem animal, pois se tratava de excelente fonte de piscicultura, com as mesmas espécies de peixes encontradas no Tanque da Nação.
Infelizmente, as autoridades não se sensibilizaram e o açude continua carente de limpeza e reparos na cerca. Continua abandonado, para desespero dos criadores da região, que costumavam levar os animais para dar água e até para o uso doméstico.
Pelo meio rural, tornou-se cena comum a revoada de urubus por toda parte. Imagens de gado morto às margens das estradas e dentro das propriedades rurais atraem esses lixeiros da natureza e chama a atenção de quem passa pelas estradas que circundam essas propriedades, cujos animais em processo de definhamento correm para a beira da cerca quando alguém se aproxima, talvez, “pensando” que a pessoa está a lhes trazer um pouco de ração.
Magros, cambaleantes, berram de forma desafinada. Talvez, por não terem mais energia até para pedir comida, situação típica de falta de força. Também, exibem bernes e, as costelas, de tal forma que costumamos dizer: só o couro e o osso.
Para muitos criadores, as mãos atadas pela falta de recursos para comprar ração industrializada, vitaminas, vacinas para mantê-los vivos, - pois já gastaram tudo ou quase toda reserva em dinheiro, só lhes resta abandonar os corpos na propriedade ou arrastá-los para as margens das estradas e deixar que urubus, carcarás e animais carniceiros cuidem de limpar o local.
Nos lugares onde choveu, até que saiu um pouco de forragem, mas, que praticamente desapareceu; pois secou rapidamente pela ação do sol bastante forte, gerando temperatura acima de 45ºC.
Quem tinha um pouco de palha de milho seca, que servia de ração, agora, olha e vê apenas, talos que nem ovelhas comem mais. Até quem plantou feijão de corda, cereal resistente que precisa de pouca chuva, com o sol escaldante, já não tem mais esperança de colher alguma coisa para vender.
Com bilhões de litros de água de boa qualidade em seu subsolo, Euclides da Cunha e municípios circunvizinhos não era para estar sofrendo tanto com essa estiagem que pode se prolongar até o final de 2013, segundo Dr. Manoel Bonfim Ribeiro.
Até lá, já se acabaram os rebanhos de bovino, ovino, caprino, muar e a economia do município pode chegar ao fundo do poço, com falências de empresas geradoras de emprego e renda, pagamento de impostos e demissões de empregados que, certamente gerarão um quadro social caótico para uma cidade que desponta como a mais promissora do sertão da Bahia.
Combate a seca não se faz com colocação de caixas d’água. Isto, apenas, ameniza o sofrimento, temporariamente. Combate a seca se faz com medidas sérias, robustas, com implantação de infraestrutura permanente de abrangência coletiva; agregam benefícios, garantia de produtividade e, sobretudo, a permanência das famílias no campo.
Autoridades, políticos, conversas e propaganda bonitas já não convencem mais nem o mais tabaréu dos tabaréus. Abram os olhos, pois teremos mais um ano de pouca chuva em todo sertão nordestino e, os prejuízos estarão acumulados. Já não bastam as duas últimas safras de feijão perdidas? Pensem nas consequências disso tudo.
Diferente do Sul maravilha, quando um mês de seca provoca protestos da população e a pressão dos políticos de lá aumentam no Congresso Nacional pedindo providências urgentes, o Governo logo abre as portas dos cofres das instituições financeiras federais e despejam milhões de reais na região, com crédito em longo prazo, carência, prorrogação de débito, liberação de seguro agrícola e, até benesses.